Triste e constrangedor. O lamentável ocorrido na Igreja de São Francisco pode ser assim definido. Triste pela perda de uma vida e pelo ferimento causado a várias pessoas, bem como pelo sofrimento imposto aos seus familiares. Constrangedor pelo fato de a União, o Governo da Bahia, o município de Salvador e os proprietários da edificação, no caso a Igreja Católica e, mais especificamente, a Arquidiocese de São Salvador da Bahia, não terem garantido a essas pessoas o direito ao usufruto de um bem cultural da magnitude da Igreja de São Francisco.
Por parte governamental, vários artigos da nossa Constituição não foram assegurados e, pelo proprietário, além do óbvio acesso aos fiéis, o direito do consumidor. Sim, consumidor, afinal aquelas pessoas pagaram para adentrar o espaço religioso, que, ao ser cobrado, deixa de ser somente um local de culto para se tornar também um local de exploração comercial. Lícita, diga-se de passagem. O turismo deve ser fonte de renda e, cada vez mais, garante o sustento de um número significativo de famílias. Porém, essa atividade implica responsabilidades que, no caso dos bens culturais de propriedade da Igreja, insistem em ser olvidadas.
Antes de prosseguir, gostaríamos, em nome de todos os associados da ASPHAN, profissionais dedicados (aposentados e na ativa), que empenharam e empenham suas vidas na preservação de nossa herança cultural, de externar nosso mais profundo pesar pela perda da jovem vida e pela dor causada a várias famílias.
Como este espaço é especialmente voltado aos profissionais da área, cremos ser desperdício de tempo e energia nos dedicarmos às notas e manifestações oficiais, que são claramente autoexplicativas!
Gostaríamos de ponderar, contudo, com os colegas que, fugindo das análises superficiais, toscas e do vergonhoso jogo de empurra de responsabilidades, é oportuna uma profunda reflexão sobre nossa trajetória institucional. Apesar de nossos insanos esforços, vimos, ao longo do tempo, a tempestade sendo formada. Decorrente da ocupação de cargos por pessoas sem trajetória na área e sem expertise mínima; da desvalorização descarada e desavergonhada da carreira, que conta com profissionais de extrema competência e conhecimento ímpar; do enxugamento no número de servidores, que nos levou à beira da extinção por inúmeras vezes; da ausência de treinamento adequado aos que adentram a instituição; da falta de condições materiais e de segurança para o exercício da profissão e, mais recentemente, da perda, por parte de alguns colegas, da compreensão de que somos (apesar de não reconhecidos como tal) uma atividade de Estado, portanto, acima de partidarismos rasteiros, e onde deve imperar, de modo indiscutível, a técnica, e não paixões políticas, independente de sua coloração. Tal qual nos sinistros aéreos, as causas para uma falha fatal são muitas. Citei, no caso do Iphan, apenas algumas e, por óbvio, aquelas que nos dizem respeito. A interface com a sociedade ainda agrega inúmeros problemas.
Enfim, tristeza profunda pelo ocorrido, que sabemos poder se repetir, pelo quadro de descaso que se mantém com o patrimônio cultural, pela ausência de perspectivas sérias de reversão do atual cenário, pelo definhar do nosso querido Iphan, que tantos serviços relevantes prestou à nação.
Atenciosamente,
Diretoria ASPHAN